É crucial entender a criptografia como ferramenta para proteger a democracia

*Luiza Brandão

De alguns anos para cá, os brasileiros têm acompanhado de perto a vida política e estamos em meio a eleições históricas para os cargos executivos. Assistimos aos debates televisivos com certa angústia, pois nem mesmo as questões mais centrais da vida em sociedade, como educação, emprego e saúde, foram tratadas com profundidade.

Um assunto que passou despercebido, mas é fundamental e precisa ser colocado em pauta, são as muitas propostas de fiscalização em discussão no legislativo. Apesar das iniciativas pioneiras no Brasil para proteger a internet, o debate sobre moderação de conteúdo é bastante atual e coloca em risco nosso direito de compartilhar dados com segurança. Isso ameaça nossa liberdade individual e também de um dos pilares da democracia, a liberdade de imprensa e mídia.

No Brasil, especialmente a partir da experiência pioneira de criação de um Comitê Gestor da Internet, o CGI.br, construiu-se um importante arcabouço legal para estabelecer regras no ambiente digital. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também pacificou um importante entendimento de que os dados pertencem aos usuários e demais públicos, não às empresas.

Nosso país ainda conta com o Marco Civil da Internet, uma importante conquista da sociedade civil. A Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, foi elaborada após ampla consulta pública, com a participação de diversos especialistas e em diálogo com diversos campos do conhecimento.

As regras definem princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e a forma como os estados da União, os municípios e o Governo Federal devem atuar em relação à troca de informações. A privacidade e a proteção de dados pessoais são garantidas para criar um ambiente digital seguro e democrático no Brasil. De fato, os direitos garantidos pelo Marco Civil da Internet não se limitam aos direitos digitais. São direitos humanos fundamentais, que vão muito além da Internet e afetam a vida das pessoas e as liberdades civis básicas.

No entanto, as tentativas do atual presidente brasileiro e as declarações de seu oponente, bem como o comportamento de seus apoiadores políticos, colocam em questão as conquistas sociais obtidas por essa agenda nos últimos vinte anos.

O governo de Jair Bolsonaro vem usando o argumento da defesa da liberdade de expressão para regular a moderação de conteúdo nas redes sociais e impedir a aprovação de um projeto de lei que ajudaria a combater a desinformação no Brasil. As consequências podem prejudicar pontos centrais do Marco Civil da Internet.

Essas propostas devem ser submetidas ao escrutínio público, pois atacam frontalmente a democracia. Um exemplo é o Projeto de Lei 3.227/2021, do governo Bolsonaro, que determina uma lista de “justas causas” para remover conteúdo das redes sociais. Desconsidera ameaças no ambiente digital e cria problemas para a infraestrutura da Internet. Autoriza ações de redes sociais para conter a disseminação de vírus e outros códigos maliciosos, mas não aborda, por exemplo, a possibilidade de remoção de links que buscam roubar dados de usuários.

Isso aumenta muito a insegurança e pode gerar uma grave crise de confiança no ecossistema digital brasileiro. O projeto de lei foi derrubado pelo Congresso, mas mostra a importância de avançar o debate regulatório da internet no país da mesma forma democrática do que foi feito à época do Marco Civil da Internet. Não é possível estabelecer uma internet mais segura retrocedendo em termos de direitos dos usuários.

Além dessas ameaças ao ambiente digital, o governo Bolsonaro e seus aliados têm, ao longo dos anos, liderado propostas de vigilância massiva sobre a sociedade brasileira. Da proposta de “Going Dark” do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro à instalação de sistemas de reconhecimento facial nas fronteiras brasileiras, parte da campanha de Bolsonaro e de seus apoiadores políticos significa riscos à privacidade e à proteção de dados pessoais no país.

O Dia Mundial da Criptografia, celebrado em 21 de outubro, foi estabelecido por uma coalizão de grandes players de tecnologia e líderes da sociedade civil em todo o mundo, que buscam combater as leis que afrontam os direitos individuais. No cenário brasileiro, a criptografia é uma proteção contra as ameaças a direitos já estabelecidos no país, principalmente à privacidade e à proteção de dados pessoais, por meio do aumento das iniciativas de vigilância. Direitos democráticos e Direitos Humanos são protegidos e legalmente exercidos pelo uso de criptografia.

Outras propostas problemáticas estão sendo discutidas no Reino Unido e no Canadá. Naqueles países, estão tentando estabelecer a responsabilidade das empresas de tecnologia pelo conteúdo gerado pelo usuário e instituir a moderação.

É fundamental que a população tenha mais conhecimento sobre infraestrutura de dados, seus direitos e deveres, para que possamos impedir uma legislação que não atenda às necessidades de ambientes online e offline abertos, conectados globalmente, seguros e confiáveis.

Como mostra a história mundial recente, a democracia não é dada. Temos que lutar por isso constantemente. E a internet é um ator político central nesse processo.

*Luiza Brandão, pesquisadora brasileira de políticas de internet da Fundação Alexander von Humboldt.

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Redação tecflow

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