A mudança drástica de marca do Twitter para ‘X’, promovida por Elon Musk este ano, não foi bem recebida pela maioria dos usuários da rede social e afetou a imagem consolidada da plataforma. Um estudo feito pela Valometry, plataforma de inteligência de marca da agência Ana Couto, e conduzida em parceria com o Painel TAP, empresa especializada em coleta de respostas de diferentes públicos, pesquisas de mercado e feedback de clientes, mostra que o Brand Value Score (BVS) – valor de marca avaliado de 0 a 100 – da nova identidade é de 65, menor do que o Twitter registrava anteriormente, de 71. Mas entre aqueles que entendem o propósito da mudança além da estética, esse índice sobe para 80. O BVS é um índice proprietário da Valometry e indica a força da marca sobre uma audiência geral ou segmentada.
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Para Musk, o objetivo da nova fase da rede social seria um reposicionamento como plataforma, expandindo o ramo de atuação do X para uma plataforma ainda mais abrangente. Em vez de ser um espaço para compartilhar ideias e informações, também abriria caminho para uma atuação em sistemas financeiros de pagamento, e-commerce e outros serviços. Entretanto, essa não foi a mudança captada pelo público.
Cerca de 700 pessoas de todo o Brasil foram entrevistadas em agosto, com cotas proporcionais de faixa etária, gênero, classe social e região. A maioria dos entrevistados (61%) relatou ter percebido uma mudança da marca, mas desses que notaram, menos de 15% entenderam que o rebranding se tratava de uma nova experiência e um novo modelo de negócio. Para 58%, a nova marca só refletiu uma mudança de logotipo.
“Rebranding é uma valorização da essência da marca, não é jogar fora o passado da marca, mas é equilibrar a tradição e a inovação”, explica Igor Cardoso, sócio-diretor responsável da plataforma Valometry. Entretanto, o efeito para o X foi exatamente o contrário. Igor aponta que “uma série de questões atrapalhou o objetivo final de ressignificação da empresa e a marca icônica do Twitter foi jogada fora”, completa.
Marca Icônica
Nascida em 2006 com o nome TWTTR, a rede social do passarinho azul mudou seu nome para o reconhecido Twitter em pouco menos de seis meses. No começo, a ideia era que as pessoas pudessem compartilhar pequenos pensamentos e atualizações rápidas do dia a dia. Logo, a plataforma de microblogs cresceu exponencialmente com o avanço digital, se tornando a principal fonte de tendências da internet. Todos os principais eventos, premiações, jogos e acontecimentos comentados por milhares de pessoas em tempo real deram ao antigo Twitter a identidade de espelho virtual da sociedade contemporânea. Seis anos depois do lançamento, em 2012, atingiu a marca de 200 milhões de usuários ativos mensais.
Mas além das grandes conquistas, o que tornou o Twitter uma marca icônica? Para a visão Ana Couto, existem quatro características que destacam a autenticidade e o impacto desse tipo de marca: ser diferenciada, relevante, proprietária e consistente.
Pilares da Marca do Twitter
- Diferenciada: cor, símbolo e nome que se diferenciam na categoria.
- Relevante: possui uma linguagem única: “tweet”, threads com limite de caracteres.
- Proprietária: senso de comunidade, os chamados Twitteiros. Cenário para debates e tópicos que estão em alta.
- Consistente: fiel a uma plataforma com códigos e experiência bem definidos.
“Nem toda empresa forte tem uma marca à altura, mas toda marca forte é uma empresa sólida”, comenta Ana Couto, fundadora da agência que criou a plataforma Valometry.
A empresa então decidiu abrir o capital para IPO – venda das ações da empresa pela primeira vez para o público em geral – em 2017. Ao longo dos anos, um desses principais compradores era o bilionário Elon Musk, que detinha 9,2% do valor da empresa, sendo o maior acionista individual. Em abril de 2022, Musk fez a primeira oferta para comprar, mas desistiu após uma série de discussões com o conselho da empresa. Entre idas e vindas à justiça, o bilionário finalmente adquire a empresa em outubro do mesmo ano, promovendo uma série de mudanças internas.
É melhor um pássaro na mão que um X voando?
O primeiro grande passo de Musk após a compra foi a reestruturação funcional da empresa. Houve cortes em vários departamentos, o fim do recurso “Moments” que criava linhas do tempo contextualizando acontecimentos e o fim da lista de tendências com curadoria. Surgiu também a compra polêmica dos selos azuis de verificação para contas relevantes, agora podendo ser obtido por todos que estivessem dispostos a pagar pela assinatura.
Todas essas mudanças, no entanto, não haviam alterado diretamente a marca Twitter. Em 2023, Musk escolheu romper toda a relação com o passarinho símbolo da plataforma desde sua fundação e o próprio nome, alterando o logotipo e a nomenclatura da rede social para ‘X’. A mudança tinha como objetivo refletir um novo posicionamento de marca, deixando de ser “apenas” uma rede social, e mirando no ramo financeiro, e-commerce e a criação de uma “superplataforma”.
Essa não foi a percepção do público. Igor Cardoso avalia que “o maior impacto na mudança de Twitter para X é a desconexão dos usuários com a nova proposta da marca”. Isso porque as alterações que eram o objetivo de Musk não foram sentidas pelo público em geral. Em contrapartida, para 44% dos entrevistados na pesquisa Valometry, a mudança foi um erro, 34% se disseram neutros e somente 24% enxergaram a transformação como algo positivo.
Mesmo diante do rebranding, a base de Twitteiros seguiu firme. “Apesar de ter gerado bastante incômodo, o número de usuários da rede social não caiu. Eles até tentaram migrar para outras plataformas, mas não houve sucesso”, explica Igor. Criou-se então o que o pesquisador chama de consumidor-refém: “são pessoas que precisam da plataforma, gostam de como ela funciona e tem conexões com outros usuários, mas não estão conectadas à marca”, completa.
Houve um único ponto positivo para os ouvidos pela pesquisa, 63% consideraram que o X representa uma cara mais moderna do que o logotipo anterior. No entanto, 81% dos entrevistados consideram a marca antiga mais bonita. O logo, quando visto individualmente, também foi associado a algo genérico e sites de conteúdo adulto como o XVideo.
Estratégia não decolou
Na avaliação da pesquisa Valometry, a estratégia de reposicionamento não conversou com a identidade do produto e não foi trabalhada de maneira adequada em relação a sua audiência. “Ficou uma sensação de que os consumidores não foram escutados. Pareceu uma grande vontade do Elon Musk, que não levou em consideração um público que já estava consolidado na rede social”, complementa Igor Cardoso.
A estratégia de reposicionar a marca não funcionou. Toda a divulgação da mudança foi feita através de tweets do próprio Elon Musk e matérias na imprensa repercutindo a novidade. Não houve campanha institucional e estruturada para apresentar a nova narrativa de marca para o público. O resultado? Cerca de 66% dos entrevistados afirmaram nunca ter ouvido falar do novo posicionamento da rede social: se tornar um super app que agrega serviços de conteúdo, vídeo e imagem, e até de serviços financeiros e bancários – essencialmente, um aplicativo que faz tudo conectado por inteligência artificial.
Com a desconexão, o X (antigo Twitter) perdeu o controle da sua própria narrativa. Grande parte do público, assim como essa e outras publicações na imprensa, não chamam pelo nome atual ou precisam se referir ao Twitter para mencionar a marca. Ana Couto aponta que antes de pensar um rebranding é necessário refletir muito sobre o que essa proposta quer apresentar. “Acima de tudo, uma nova identidade de marca precisa estar alinhada a uma estratégia, porque o visual não se sustenta por conta própria”, explica.
A pesquisa ainda aponta que o sucesso da construção de uma marca é feito de maneira integrada, com um alinhamento forte entre marca, negócio e comunicação. Essa integração é feita por meio de um propósito, que torna o branding uma ferramenta estratégica poderosa com potencial de impulsionar negócios, se destacar no mercado e criar um sentimento de lealdade com os clientes.
Uma mudança brusca e evidente precisa ser acompanhada de uma comunicação eficiente e objetiva da motivação. No caso do X, a falta de comunicação da marca impactou de forma negativa a percepção geral, suscetível a interpretações externas e confusão dos valores que a marca quer transmitir.
Esse prejuízo pode ser estimado em perda de valor, que impacta a capacidade futura de geração de lucros da empresa. A estimativa das agências e especialistas de mercado é que o prejuízo para o Twitter nos próximos anos possa ser de 4 a 20 bilhões de dólares, com uma base de usuários muito menos engajada por falta de identificação da marca e, como já anunciado pelo próprio Musk, a perda de anunciantes de peso.
Mas nem tudo está perdido, a grande parte do público que permanece na plataforma, ainda muito fiel à identidade anterior, pode ser trabalhada com estratégias e ações que recuperem essa conexão.
O resultado final do levantamento apontou ainda que o BVS (Brand Value Score) – análise proprietária da Valometry que avalia de 0 a 100 a força da marca – do Twitter ficou em 71, atrás de competidores como YouTube (83), Instagram (78), LinkedIn (74) e Tiktok (72). Com a mudança para a marca X, houve uma queda de 6 pontos no índice geral, levando a pontuação para 65. Entretanto, entre os 34% dos entrevistados que disseram ter conhecimento sobre o novo posicionamento da rede social de Musk, esse valor subiu 9 pontos, alcançando o score de 80 no BVS.
Essa mudança na percepção de quem conhece a marca serve como guia para a estratégia de rebranding como um todo. O X pode tirar lições do próprio desafio e entender como alinhar uma ação consistente que vá de encontro com o alinhamento entre marca, negócio e comunicação.
“Para recuperar o que foi perdido é preciso abraçar o erro, entender os principais gaps de conexão com os usuários e apresentar a mudança de produto e valores que a nova marca representa. Assim, é possível reconstruir, ou até quem sabe, criar uma nova marca icônica”, finaliza Ana.
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Leandro Lima
Graduado em tecnologia e design gráfico, sou apaixonado pela fotografia e inovações tecnológicas. Atualmente escrevo para o Tecflow.