Em um cenário cada vez mais marcado pela busca por transparência, sustentabilidade e inovação, a indústria da moda começa a se reinventar, e o Brasil já desponta como protagonista nessa transformação. Um exemplo emblemático dessa nova fase vem da Riachuelo, uma das maiores varejistas do país, que lançou recentemente uma coleção de camisetas 100% rastreáveis, confeccionadas com algodão agroecológico e tingimento natural. Mais do que peças sustentáveis, a coleção traz um diferencial tecnológico inédito: o uso de blockchain e inteligência artificial para registrar e disponibilizar todas as etapas da cadeia produtiva ao consumidor final, por meio de um passaporte digital acessado via QR Code.
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Por trás da solução tecnológica está a Blockforce, empresa especializada em rastreabilidade e ESG, que desenvolveu a iniciativa por meio da Fair Fashion, sua vertical voltada ao setor têxtil. Nesta entrevista exclusiva ao tecflow, conversamos com André Salem, fundador da Blockforce, para entender como nasceu o projeto, os desafios enfrentados, as tecnologias envolvidas e o impacto da transparência para a marca e seus consumidores. Também falamos sobre o potencial do Digital Product Passport (DPP) como tendência global e como a rastreabilidade digital pode transformar cadeias produtivas em diversos setores além da moda.
Confira a seguir como a tecnologia está abrindo caminho para uma moda mais ética, eficiente e conectada com o futuro.
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tecflow: Como surgiu a ideia de aplicar o Passaporte Digital de Produto (DPP) no varejo de moda, e quais os principais desafios enfrentados na implementação dessa tecnologia?
André Salém, fundador da Blockforce: A indústria da moda enfrenta desafios crescentes relacionados à sustentabilidade e rastreabilidade de suas cadeias de fornecimento e trazer a aplicação dessa tecnologia pro Brasil surge principalmente frente à crescente demanda dos consumidores por transparência e responsabilidade em relação às marcas por aqui também. Com isso, as marcas precisam encontrar formas de se posicionar e mostrar aos consumidores como estão tratando o tema da sustentabilidade e qual o impacto que ela gera no planeta.
O DPP funciona como uma identidade digital para cada peça de roupa, reunindo informações detalhadas sobre sua origem, composição, métodos de produção, impacto ambiental, ciclo de vida e reciclabilidade do produto. A proposta é permitir que qualquer pessoa possa acessar essas informações de forma simples, geralmente por meio de um QR Code que fica na peça de roupa.
A Comissão Europeia está implementando o DPP como parte do Green Deal e da Estratégia de Produtos Sustentáveis. Ele está em fase de implementação e será obrigatório para diversas categorias de produtos, incluindo vestuário e têxteis, a partir de 2030, empresas que não se adequarem, não poderão operar no mercado europeu a partir desta data. No momento, algumas marcas europeias já estão participando de projetos-piloto para se regular antecipadamente.
Os desafios são comuns para qualquer coisa que seja nova no mercado, trabalhar com a conscientização dessa necessidade para as marcas e explicar às empresas que o processo é seguro e respeita os fornecedores com total transparência.
tecflow: Quais tecnologias compõem essa solução desenvolvida pela Blockforce? Além do blockchain e da IA, há outros recursos inovadores envolvidos?
André Salém: A solução desenvolvida pela Blockforce é fundamentalmente impulsionada por duas tecnologias principais: o Blockchain, que assegura a rastreabilidade, a imutabilidade e a transparência em toda a cadeia produtiva, e a Inteligência Artificial (IA), que é crucial para interpretar grandes volumes de dados, realizar análises complexas para avaliação ESG e apoiar a tomada de decisões estratégicas.
No entanto, o verdadeiro poder e a inovação da nossa solução residem na sua capacidade de potencializar estas tecnologias centrais através de integrações robustas. A nossa plataforma é modular e adaptável o que nos permite conectar-nos de forma fluida com uma vasta gama de sistemas e bases de dados existentes. Isso inclui a integração com sistemas internos dos nossos clientes, como ERPs e CRMs, dados provenientes de sensores IoT, e até mesmo informações de fontes externas, como dados de satélites. É essa capacidade de integrar e correlacionar informações de diversas origens que maximiza o potencial do Blockchain e da IA, tornando a nossa solução completa, flexível e orientada para um impacto real
tecflow: Na prática, como o consumidor tem reagido ao acesso à rastreabilidade das peças? Já é possível medir algum impacto em vendas ou na percepção da marca?
André Salém: A resposta do consumidor à rastreabilidade tem sido notavelmente positiva, especialmente entre os públicos mais conscientes e exigentes. A possibilidade de aceder à história completa de uma peça – de onde veio, como foi produzida e por quem – não só gera uma confiança imediata, como também cria uma conexão mais profunda e significativa com a marca.
Na prática, o principal impacto que observamos é a geração de valor da marca a longo prazo. Ao oferecer essa transparência, as empresas associam-se diretamente à sustentabilidade e à responsabilidade, construindo uma reputação sólida e diferenciada no mercado. Além disso, estamos desempenhando um papel crucial na educação do consumidor brasileiro. Historicamente, o acesso a informações detalhadas sobre a origem e o impacto dos produtos tem sido limitado. Ao disponibilizar esses dados de forma clara e acessível, estamos a capacitar os consumidores a pautarem as suas decisões de compra em função de critérios como a sustentabilidade, a ética e a procedência, transformando a forma como escolhem e valorizam os produtos.
tecflow: Quais os próximos passos da Blockforce para expandir essa iniciativa no varejo nacional ou até internacionalmente?
André Salém: Para os próximos meses, a Blockforce continuará a ampliar a sua atuação no setor da moda, com a formalização de parcerias com novos players relevantes da indústria, que em breve poderemos anunciar. Paralelamente, estamos a dar um passo significativo para iniciar projetos que vão além da rastreabilidade, focando em soluções ESG (Ambiental, Social e Governança) a um nível 360 graus, abrangendo outras indústrias além da moda. O nosso foco principal para esta expansão permanecerá no mercado nacional até ao próximo ano, consolidando a nossa presença e impacto antes de considerarmos uma expansão internacional.
tecflow: Como vocês veem o papel da tecnologia blockchain na transformação de cadeias produtivas mais sustentáveis em outros setores além da moda?
André Salém: Vemos o papel da tecnologia blockchain como fundamental na transformação de cadeias produtivas mais sustentáveis em uma vasta gama de setores, muito além da moda. A crescente demanda por transparência, práticas éticas e sustentáveis, e a necessidade de garantir a autenticidade e a procedência dos produtos são tendências globais que se aplicam a praticamente todas as indústrias.
No contexto brasileiro, identificamos um potencial imenso em diversos segmentos. Desde o agronegócio, que busca certificar a origem e as práticas sustentáveis de produtos como grãos, carnes e madeira, até o setor farmacêutico, onde a rastreabilidade de medicamentos e insumos é crucial para combater falsificações e garantir a segurança do consumidor. O setor de mineração pode beneficiar-se ao comprovar a origem responsável de seus minerais, enquanto a indústria de cosméticos e beleza pode validar a procedência ética de seus ingredientes. Além disso, a energia, especialmente a renovável, pode usar blockchain para rastrear créditos de carbono e a produção de energia limpa. Em essência, qualquer setor que necessite de maior visibilidade, conformidade regulatória e a capacidade de comunicar de forma fiável o seu compromisso com a sustentabilidade e a ética, encontrará no blockchain uma ferramenta poderosa para construir cadeias de valor mais transparentes e responsáveis.
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