As startups costumam olhar setores grandes e ineficientes para criar soluções escaláveis, inovadoras e tecnológicas. Esses empreendimentos cada vez mais vencem barreiras científicas e regulatórias para lançar produtos e serviços que atendem um dos segmentos mais carentes do país: a saúde.
A desigualdade em acesso e qualidade de tratamento assola o Brasil, mesmo com um sistema gratuito e universal de saúde. As diferenças se tornaram ainda mais evidente nas últimas semanas, com o alastramento do novo coronavírus. O vírus provoca a doença Covid-19, que causou a morte de milhares pelo mundo e já é considerada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
As crises, porém, também apresentam oportunidades: as healthtechs brasileiras estão agindo depressa para prevenir a infecção, diagnosticá-la rapidamente ou impedir que ela se espalhe nos hospitais.
Aurratech: a desinfecção contra o novo coronavírus
A Aurratech é uma empresa especializada em desinfecção de ambientes e superfícies. O fundador Caio Agmont tem experiência de 25 anos no mercado de microasperção — a criação de micropartículas de água que são borrifadas para irrigação ou borrifação em alta pressão.
A Aurratech começou a desenvolver uma tecnologia de esterilização e sanitização em 2014, atendendo o mercado de suco de laranja na desinfecção dos seus tanques de armazenamento da bebida.
Chamada Fog In Place, essa tecnologia fragmenta uma solução desinfetante em bilhões em partículas tão leves que ficam em suspensão aérea, como um gás. As partículas atingem superfícies de acesso difícil sem interferência humana e consomem 99% menos água e químicos do que soluções líquidas tradicionais, diz a startup. O negócio recebeu US$ 700 mil em investimento anjo e negocia atualmente um investimento de série A.
Após superífices dos tanques de laranja, a Aurratech passou a desinfectar ambientes de empresas de proteína animal. As companhias procuravam evitar contaminações que afetassem o tempo de prateleira dos alimentos. Hoje, o maior setor da startup é o de segurança alimentar. A Aurratech atende 40 multinacionais em mercados como Brasil, Estados Unidos, Europa, África do Sul e México.
Logo a startup recebeu pedidos de desinfecção contra a combinação do novo coronavírus, especialmente na Espanha. Desinfectou bancos, hotéis, ministérios e áreas de produção e de convivência em multinacionais.
“O novo coronavírus contaminou áreas públicas em um número nunca visto antes. Focamos nosso estoque de equipamentos para atendimentos relacionados à pandemia”, diz Agmont. Dos 98 equipamentos, 26 estão sendo usados para a biodescontamização de áreas afetadas pelo novo coronavírus. No Brasil, a Aurratech atende bancos e escritórios e já atendeu uma fabricante de bebidas com esse propósito.
A startup vê que sua atuação contra o novo coronavírus também gerou mais interesse na desinfecção geral de ambiental. “Falamos com executivos e eles já sabem da importância da sanitização. Aprenderam nas últimas semanas que as pessoas morrem do novo coronavírus, mas também de contaminação alimentar e hospitalar”, diz Caio Agmont. “Buscamos escalar nossa solução e chegar a mais mercados neste ano. Somos uma startup que nasceu com mentalidade global.”
Hi Technologies: exames do novo coronavírus em 10 minutos
Marcus Figueiredo e Sérgio Rogal se formaram em engenharia da computação, mas seus estudos posteriores se concentraram na aplicação da inteligência artificial na saúde. A primeira invenção dos empreendedores para sua empresa no ramo, chamada Hi Technologies, foi um sistema de telemedicina para UTIs. Depois, passaram para um medidor de oxigênio usado no pulso.
O terceiro produto é a aposta atual da Hi Technologies. Lançado em 2016, o Hilab é um equipamento para realizar testes rápidos de sangue. O Hilab é dotado de cápsulas com reagentes químicos para exames como colesterol, dengue, gravidez, HIV e vitamina D. A Hi Technologies fornece o Hilab para milhares de farmácias em 250 cidades brasileiras. O equipamento é dado sem custo, com comissão por exame realizado.
As gotas de sangue coletadas nas farmácias interagem com o reagente das cápsulas e geram informações. Esses dados são digitalizados, mandados para a nuvem e analisados em tempo real por uma inteligência artificial da Hi Technologies. As conclusões da IA são validadas por uma equipe de biomédicos em um laboratório de análises clínicas da própria Hi. O resultado do exame leva 10 minutos.
Diante da expansão do novo coronavírus, a Hi Technologies passou a desenvolver um teste rápido também para o Covid-19. A pandemia estava sendo monitorada pela equipe de 130 funcionários da startup desde o final do ano passado. Há quatro semanas, um artigo científico validando um teste rápido de novo coronavírus foi publicado na China. A Hi Technologies e outras empresas passaram a replicar os resultados em equipamentos próprios.
Na próxima semana, o teste rápido de Covid-19 pelo Hilab chegará a pacientes mais críticos. O fornecimento terá escala a partir da segunda quinzena de abril, também com uma expansão de fábrica da startup. A Hi Technologies não revela o total de aportes captados, mas tem os fundos Monashees e Qualcomm Ventures e a gigante de tecnologia Positivo entre seus investidores. A startup cresce 30% ao mês e ainda está formulando suas projeções de crescimento para 2020, diante do aumento recente da demanda.
Tmed: painéis contra mortes nos leitos e alertas de álcool gel
A Tmed é uma “healthtech raiz”: o empreendimento foi criado em 1997. Sua primeira solução foi um equipamento para monitorar a troca de soro em pacientes. O cofundador Amando Guerra conta que a ideia surgiu quando foi preciso acompanhar seu pai no hospital e a preocupação era constante quanto ao fim ou não do soro aplicado.
Essa melhoria levou a outras ideias para evitar falhas processuais no ambiente hospitalar, que levam a infecções e mortes nos leitos. A Tmed contou com recursos de agências de fomento à ciência e inovação, como Finep e Criatec. Mais de 20 anos depois, a Tmed virou um painel de monitoramento que embarca diversos hardwares para automatizar processos assitenciais. A Tmed atende mil instituições de saúde, como clínicas e hospitais.
Com a pandemia de Covid-19, os hospitais estão investindo em novas ou ampliadas UTIs. A Tmed tem recebido há duas semanas demanda por seus painéis para essas instalações. Uma funcionalidade dos painéis que servia apenas para cirurgias já está sendo desenvolvida também para UTIs, impulsionada pela pandemia: o aviso e checagem de uso do álcool gel, essencial para prevenir a contaminação pelo novo coronavírus.
“Estamos enfrentando uma provável curva de crescimento de casos nos próximos meses. Nosso foco agora está em atender a demanda e disponibilizar os leitos prontos para os próximos 30 dias”, diz Guerra.
Para este ano, a Tmed busca captar recursos com empresas de saúde e investidores para ganhar muscultura. Também está melhorando seus painéis por meio dos dados coletados nas mil instituições de saúde já atendidas. Essas informações alimentarão uma inteligência artificial da Tmed, com o objetivo de tornar os painéis de monitoramento mais preditivos do que reativos.
A expansão das healthtechs começou muito antes de falarmos em novo coronavírus — mas a pandemia poderá catapultar a importância das startups de saúde, inclusive brasileiras. Para seus criadores, a microlimpeza, os exames rápidos e os cuidados contra infecções e mortes nos hospitais vieram para ficar. “Trabalhamos para eficiência na qualidade assistencial em geral. Não gostaria que essa necessidade fosse vista apenas em um momento tão negativo. Pelo menos, criou-se um aprendizado essencial para o futuro da saúde”, diz Guerra, da Tmed.
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Marciel
Formado em jornalismo, o editor atua há mais de 10 anos cobrindo notícias referente ao mercado B2B. Porém, apesar de toda a Transformação Digital, ainda prefere ouvir música em disco de vinil.