O que são ciborgues?

Eduardo Ferreira

O sul-africano Oscar Pistorius ganhou notoriedade ao ser proibido de disputar a seletiva olímpica em Pequim (2008) e, posteriormente, conseguir a vaga para Londres em 2012. A razão? Pistorius tinha as duas pernas amputadas e corria com próteses de fibra de carbono que, possivelmente, potencializariam seus tempos, concedendo uma vantagem desleal em relação aos competidores “comuns”.

Alguns anos depois, em 2016, seria realizada a primeira olimpíada ciborgue, com o objetivo de reunir os pesquisadores da área e testar os limites da tecnologia para simular tarefas cotidianas realizadas por humanos através de dispositivos implantados e externos, tais como exoesqueletos. Os experimentos realizados permitiram a construção de um modelo artificial para a inteligência ciborgue e seus limites. A diferença entre um e outro é a adição de dispositivos artificiais ativados por interfaces neurais, materializando o conceito de ciborgue moderno.

Em 1985, Donna Haraway traz em seu Manifesto a introdução de um “organismo cibernético, um híbrido de máquina e material orgânico, uma criatura da realidade social assim como uma criatura da ficção”.

Essa confusão pode ser resumida através da seguinte pergunta: o quão possível é então construir máquinas que imitem as funções motoras e biológicas dos seres humanos e sejam comandáveis através da inteligência? A resposta está na definição de inteligência ciborgue: troca de informações entre componentes artificiais e organismos biológicos. Além de apenas repassar respostas visuais, táteis, audíveis e olfativas, os computadores já são capazes de codificar respostas neurais como estímulos elétricos para modular diretamente os circuitos neurais. Assim, é possível estabelecer um canal direto de comunicação do computador até o cérebro.

Para explorar os limites dessa comunicação, empresas como a Neuralink, de Elon Musk, já conseguem produzir tecnologias práticas que se utilizam da capacidade de codificar os sinais enviados pelo cérebro. Já existem 34 pessoas no mundo com algum tipo de implante cerebral, feitos para restaurar perda de visão, audição ou recuperar alguma disfunção física ou mental. A ativação dos dispositivos baseia-se no modelo cognitivo associado ao processo execução de atividades repetitivas: um jogador de futebol não precisa saber de física para aplicar uma curva e chutar uma bola no ângulo. Da mesma forma, os engenheiros neurais não precisam entender a totalidade do funcionamento do cérebro para gerar o estímulo ideal para o cérebro produzir a resposta e ativar o dispositivo. Com o tempo, ele vai sendo “calibrado” para interagir com os estímulos oriundos do usuário.

Enquanto alguns enxergam as possibilidades assistivas de tais dispositivos, outros já veem como possibilidade de obter vantagens. O escritor Zoltan Istvan, que concorreu à presidência dos EUA em 2016, possui um chip implantado com a função de abrir a porta de sua casa ou destravar o computador sem senha. Ele enxerga outras possibilidades, como possuir uma interface neural direta com o Google e traduzir idiomas em tempo real, por exemplo. Tais tipos de “melhorias” representam a possibilidade do surgimento de uma indústria de trilhões de dólares, atuando nas fronteiras entre computação, engenharia, medicina e biologia.

Soma-se a isso o fato de que o mercado de PCs, smartphones e tablets deve cair na média 7,6% em 2022, enquanto o de dispositivos IoT (internet das coisas, na sigla em inglês) deve crescer. Portanto, qual seria o impacto se esses dispositivos estivessem conectados diretamente ao cérebro? Já é possível imaginar um mercado de dispositivos neurais do tipo plug-and-play, uma rede de sensores e atuadores espalhados pelas cidades capazes de se conectar com os implantes cerebrais e dispositivos internos e externos ao corpo. Numa sociedade assim, a barreira entre máquina e corpo é cada vez menor, uma vez que ambos são capazes de receber uma quantidade similar de estímulos e oferecem um conjunto pré-definido de respostas. Parece distopia ou realidade alternativa? Coloque a mão no bolso ou onde tem o hábito de guardar o seu dispositivo móvel. O que acontece se ele não estiver ali? A tendência é de que a fronteira entre externo (fora do corpo) e interno (dentro do corpo) seja cada vez menor, à medida em que os sentidos são estendidos artificialmente por muitos desses dispositivos.

Eduardo Ferreira é mestre em Computação Aplicada da Faculdade de Computação e Informática (FCI) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
 

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Marciel

Formado em jornalismo, o editor atua há mais de 10 anos cobrindo notícias referente ao mercado B2B. Porém, apesar de toda a Transformação Digital, ainda prefere ouvir música em disco de vinil.

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